light gazing, ışığa bakmak

Sunday, September 29, 2013

'o que é que viste nele?' (east/west) 'Like Someone in Love')

(aquela última pedra acerta em cheio no espectador, que sai atordoado do escuro da sala de cinema)



se me perguntassem de que filme gosto ou qual é o filme que eu mais gostaria de ver ou o que é um filme, o que é o cinema que quero ver ou o que deve ser o filme que gostarias de ver quando sais ao domingo para ir ao cinema, Like Someone in Love é esse filme.

há tantos fios em que posso pegar para os ligar a outros que me encontro numa tarefa monumental: seguir todas as pistas que ouço, vejo ou penso durante Like Someone in Love. se os tags/etiquestas sob que coloco os pensamentos fossem temas e não assuntos mais concretos como autores ou viagens, este pensamento teria um inventário de etiquetas. posso começar pelo nome e por 'o que viste nele?' não sei se o meu pessimismo é só meu ou se é do realizador também, uma das dúvidas que não terão resposta. o amor desencontrado (o amor como acaso, encontros ocasionais e a imagem que Shirin vê na floresta, a pessoa que ela crê ver na imagem mas não a pessoa, realidade fugidia): o de Akiko pelo mecânico; o da vizinha por Watanabe, o do professor pela mulher, acasos, e a consequência do 'amor' de Noriaki (como no filme A Separação) em que a ideia de 'protecção', normal naquele lado do mundo como entendi este verão, rapidamente se transforma em posse, controlo, violência.

uma história que cresce em torno da ideia de violência (Žižek, para ler): esta uma das linhas de pensamento presentes na história contemporânea, não é possível evitá-lo: a sociedade violenta e destruidora, todos os antigos laços ou estruturas se desmoronam na nova cidade; a guerra surda que se trata entre ocidente e médio oriente, a censura, a violência política. os dois velhos, a avó e o professor (sociólogo cujo último livro é sobre a violência), os dois novos: a rapariga e o rapaz que talvez exemplifique as teorias do velho professor.



não posso evitar colocar as minhas próprias dúvidas: entre o passado e o futuro, a avó e o professor, a rapariga e o seu namorado, não sei se vejo uma saudade de uma cidade mais próxima de valores morais que deixaram de existir. era até capaz de associar esse desejo às cores que encontro na história. as cores berrantes e artificiais da cidade, as cores da noite, das marcas, as cores do dinheiro ocidental, os néons, a foto da rapariga com cores berrantes, o vermelho do baton, o cabelo barulhento da outra rapariga no bar; e as cores suaves do passado moral: o fato da avó no meio da praça (ela própria um monumento, uma estátua na multidão), o interior da casa do professor, as cores da rapariga quando chora, as cores do quadro - suaves, surdas, sem violência. colors.




o quadro é uma brincadeira séria: no título a rapariga ensina o papagaio a falar, no pensamento de Akiko ('foi sempre assim que eu o vi'), o papagaio ensina a rapariga a falar.



a rapariga é, como foi, como será um papagaio que fala aquilo que a deixam dizer, que diz frases dos outros ou que, por outro lado, é uma vítima do sistema. Kiarostami não condena apenas o sistema do seu país, ele condena também o sistema capitalista, o que se vê bem nesta rapariga papagaio, desprotegida, que serve de mercadoria. [“And let me have the last word,” the Iranian filmmaker said as a publicist gestured to remind him that it was time to prepare for his keynote speech in the master class. “An Iranian-American psychiatrist interviewed Iranian women and published a book about her experiences with the Iranian women, and sent a copy of the book to a publisher in the U.S. And the publisher refused to publish it, saying 'this isn't the kind of book I can publish' -- the reason being it wouldn't sell enough."
Kiarostami added: “The publisher said I want to publish a book that will show the plight of Iranian women, not the positive things about them. Unfortunately, this is the truth: It’s as if all of our suffering at the moment is not quite enough.", daqui]

claro que este ponto de vista (navegar perigosamente em águas dúbias, entre dois continentes, duas culturas, dois sistemas de valores) é aquele que divide ocidente e oriente. como nestas águas dúbias navegou Mishima, na mesma reacção de oposição se colocou Tanizaki. quando Pamuk diz que o mundo não-ocidental vive a angústia do desejo e do repúdio, a relação de amor e ódio pelo ocidente - um mundo inteiro insatisfeito, aqui está Kiarostami também. a pintura do Papagaio está nesse momento, entre duas forças. (Tanizaki diz: e se tivéssemos sido nós a inventar tudo aquilo? Pamuk diz: e se tivéssemos sido nós a criar a perspectiva? e se o oriente tivesse inventado primeiro a caneta e não o ocidente, se pudesse o oriente ter liderado em vez de ter sido forçado a usar um instrumento feito para o alfabeto e não para o desenho de caracteres?) uma ansiedade latente, o mundo em mudança como se o seu eixo estivesse mesmo a deslizar para o outro lado, como o Norte em fuga. podemos abrir os olhos e ver? o que vemos quando olhamos pela janela daquele taxi na noite?

Kiarostami e Pamuk têm tanto em comum (para além de estarem na minha mesa de atenção) e no entanto não se tocam, não sei porquê. a diferença mais óbvia é a incapacidade de Pamuk de entender, desenhar ou sequer ver uma mulher. Kiarostami o contrário: desenha-as de 'carne e osso', tira-as do ecrã como as espectadoras do filme Shirin (a realidade, realismo, carne e osso, imagem da imagem). mas ambos são mestres-manipuladores, criadores de um mundo completo sobre si mesmo, manipuladores de personagens completas, negras, felizes com quem associamos a empatia humana, que podíamos abraçar, nas quais nos vemos ou que conhecemos estejam elas no Irão, na Turquia ou no Japão; manipuladores de terceiros, os anónimos nós que deste lado nos deixamos conduzir pelas suas ciladas.

ambos ultrapassam a sua arte: Kiarostami desenha e fotografa, Pamuk entorna-se para o campo das artes visuais, para as artes da memória. (comparo Life Goes On à descrição do grande terramoto de Istanbul em que ambos os autores se embrenham como testemunhas nos acontecimentos).

se a ausência (prensença) em Pamuk é visual - o lenço vermelho, o lenço de Sibel que esvoaça da janela para a rua; a ausência de Kiarostami é avassaladora: as vozes e os sons de outros que não passam de outros, presentes mas ausentes da atenção emocional do olhar - todas as vezes que se fala ao telefone, todas as pessoas que falam mas que nós não vemos, tudo o que se passa fora do rectângulo do ecrã, aí está a arte da manipulação mas também da sedução. seguimos as ausências plenos de desejo que não será satisfeito, nunca saberemos o que se passou na realidade, estamos condenados à dúvida. o que se passa depois do final? o que se passou durante a noite? [queremos acreditar nas belas adormecidas de Tanizaki, como queremos acreditar na bondade do velho professor, ou na possibilidade de bondade, ou em sonhos, em contos morais].

por tudo e por mais alguma coisa, os sons deste filme vão perseguir-nos a nós, a mim, como as suas palavras, as suas ideias sombrias e as suas cores.



"Lately, I find myself gazing at stars
Hearing guitars like someone in love
Sometimes the things I do astound me
Mostly whenever you're around me
Lately I seem to walk as though I had wings
Bump into things like someone in love
Each time I look at you
I'm limp as a glove
And feeling like someone in love"



In an interview with Gulf Times yesterday, Kiarostami said that “people [in Iran] are all turning to art as a shelter; as a weapon for survival. This is the only choice that they have in order to be able to undergo and overcome the social and political pressures.”
He said that if one looked at the history of Iran, one would observe that whenever there had been political repression, art production gained strength and quality. “This is what you can see in Iran today also. These days everybody takes calligraphic and painting classes.”
In his opinion, there was no doubt that Iranian cinema was flourishing. He said there was very little part of it which was seen by the world abroad. “There is this big unknown part of it which is made outside of the great cities, out of small budget, sometimes using just only mobile phone cameras. We are witness of a growth of creativity and development of Iranian cinema.”  daqui.

e amanhã- posso ver tudo de modo diferente.

e... onde já vimos isto, Nagisa?


(ah!)
(swear to 'god', i'm so happy with the muslification of my point of view)

um aparte: sobre o filme aqui em Spectres du cinéma.

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